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sábado, 9 de maio de 2009

Anosmia

Essa lágrima no espelho é sua. Já que quase nada é seu. Já que você não me disse a verdade e eu não te mostrei onde dói.

Sei agora. E é tarde. É tão tarde que amanheceu. O dia trouxe uma nova oportunidade que não quero. Queria apagar esse dia. Queria mudar de país. Queria ser outro alguém que não conhecesse teu cheiro. Queria uma página em branco e uma garrafa de whisky.

E trocaria todos os meus sentidos por uma dose de alívio. Pra não sentir você, nunca mais. E nunca tão menos.


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“Ainda era cedo para acender as lâmpadas, o que pelo menos precipitaria uma noite. A noite que não vinha, não vinha, não vinha, que era impossível. E o seu amor que agora era impossível – que era seco como a febre de quem não transpira, era amor sem ópio nem morfina. E “eu te amo” era uma farpa que não se podia tirar com uma pinça. Farpa incrustada na parte mais grossa na sola do pé.
(...) Não havia senão faltas e ausências. E nem ao menos a vontade. Só farpas sem pontas salientes por onde serem pinçadas e extirpadas.”

Clarice Lispector – A Descoberta do Mundo (trecho de “Calor Humano”, de 1968).

2 comentários:

TOTYNIX disse...

Lindo como sempre. Lindo como tudo que você escreve. Se quiser podemos dividir a garrafa de whisky. Tenho certeza que escreverá lindamente em sua página em branco. Da mesma maneira que escreve lindamente sua vida. Um beijo enorme!!!

Unknown disse...

O texto é lindo, mas a dor... a dor não é feia nem bonita... a dor dói.
E eu não quero lhe ver doída!
Vem, saia e venha brincar de ciranda cirandinha...
Vem, aqui fora o mundo é bem maior que esta dor.
Acredite.
Beijos,