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terça-feira, 15 de novembro de 2016

Acorde

Minha casa, pequena. Como deveria ser, que cabe no peito. Da porta pra sala é um salto que nem percebo, especialmente quando calço nuvens. Na sala, o violão que esqueci de guardar no outro dia, se insinua cheio de curvas e cores.

Ele num sorriso pornográfico e eu, irritada, queria era um pente de balas intermináveis e vidas que se desgastam e se tem de volta num F5.

O espelho me lembra que sou mais que essa sombra. Que sou bem mais e tão mais que essas provocações. E o violão, ainda ali. Pulsando por meu colo. Desejando a pressão certa dos meus dedos, em cada corda e em cada passo.

Um acorde, dois, três... no quarto, lembrei de caçar a tesoura e arrancar as unhas que não me deixavam sentir o gosto. Que as vezes, o gosto vai da ponta da língua à ponta dos dedos. E tateando é que se tem a menção. Tateando é que se ouve, se sente, se esvai. Que é preciso esvaziar pra então, inundar. Que é preciso o vazio e silêncio pra ler nas entrelinhas, e acordar.

São só quatro acordes. Mas, são meus. Das cicatrizes dos meus dedos, dos meus medos, dos meus porquês. Meus porquês que fazem música – e não sentido.

De um não sentido, sem sentido, tão sentido.

Quatro acordes, quatro calos, beirando quatro décadas. E só:

“A Montanha Mágica
– Legião Urbana

Sou meu próprio líder, ando em círculos
Me equilibro entre dias e noites
Minha vida toda espera algo de mim
Meio-sorriso, meia-lua, toda tarde

Minha papoula da Índia
Minha flor da Tailândia
És o que tenho de suave
E me fazes tão mal

Ficou logo o que tinha ido embora
Estou só um pouco cansado
Não sei se isto termina logo
Meu joelho dói
E não há nada a fazer agora

Para que servem os anjos?
A felicidade mora aqui comigo até segunda ordem
Um outro agora vive minha vida
Sei o que ele sonha, pensa e sente
Não é coincidência a minha indiferença
Sou uma cópia do que faço
O que temos é o que nos resta
E estamos querendo demais

Minha papoula da Índia
Minha flor da Tailândia
És o que tenho de suave
E me fazes tão mal

Existe um descontrole, que corrompe e cresce
Pode até ser, mas estou pronto pra mais uma
O que é que desvirtua e ensina?
O que fizemos de nossas próprias vidas

O mecanismo da amizade
A matemática dos amantes
Agora só artesanato
O resto são escombros

Mas é claro que não vamos lhe fazer mal
Nem é por isso que estamos aqui
Cada criança com seu próprio canivete
Cada líder com seu próprio 38

Minha papoula da Índia
Minha flor da Tailândia

Chega, vou mudar a minha vida
Deixa o copo encher até a borda
Que eu quero um dia de sol
Num copo d'água”

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PS: (...)
Danem-se as crases (a mais e a menos), os baralhos ciganos e todos os orixás. E todas as aparências e todas as convenções. E danem-se o Temer, o Dória, o Crivella e o Trump. E dane-se Ele também.
E leia-se “Ele”: que nem tem nada de deus. Tá mais pra besta vaidosa e egoísta.
Besta.
Vaidosa e egoísta. Existe um Sol maior que o seu.

PSdoPS: Acordei. Acordada.