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sábado, 29 de maio de 2010

Chuva de dentro

Na gira de preto velho, levei meu próprio, pra garantir: meu pai.
Ele, que não consigo ouvir. Só quando diz cantando. Ele, cheio de ancestralidade, tentando nos contar o que viu e os segredos da sua força... e gagueja, sublima. Sufoca.

Então veio outro caboclo me dizer. Que tinha sete pedras e que minhas mãos eram frias. Perguntou por que demorei tanto (logo eu, que não sabia nem porque viera). Tocou minha cabeça e não entendeu porque é que eu ainda trazia tanta coisa ali. Respondi com os olhos. Que era tanta emoção represada ameaçando dilúvio e meus passos tortos tinham a aridez do interior do sertão. Com a certeza daquela tristeza reconhecida vieram as lágrimas – todas. E era chuva de dentro.

Eu, que só queria que os atabaques dessem um novo ritmo ao coração. Eu, que só queria assistir a dança dos orixás... agora inundava. Era chuva de terreiro bagunçando meus cabelos e as palavras.

Estremeci quando vi no rosto do caboclo escorrer uma lágrima que era minha. Tão minha. As almas que se vêem e (se) choram:

- Filha, peça pra sua mãe, Iansã – deusa das tempestades, que ela manda uma ventania bem forte levar tudo isso da sua cabeça. De vez. Não carregue isso não, minha filha. E no dia de Xangô, nosso pai guerreiro, peça proteção e tranquilidade... peça o que quiser. Só não peça a ele justiça. Não peça. Que o machado da justiça quando cai, bate onde tiver que bater.

Ah, meu querido caboclo das sete pedras, das sete velas, das sete mil lágrimas. Careço não de justiça que da impunidade dos meus pecados sopra uma lucidez. Quero é paz. A paz das ventanias de Iansã. A paz das almas que sobrevivem aos dias mais frios. Aqueles dias - que amanhecem pincelando saudades no céu.
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Então é samba de macumba, na interpretação maravilhosa da Fabiana Cozza, que canta como se fosse dona dos feitiços do universo:

Xangô Te Xinga
Composição: Leandro Medina

Sim, você sabe
Por tudo que fiz
Basta você sentir saudades
Que eu tô na linha
Nesse caso dava pra dizer
Revigorou o fino fio frio
De longe, de onde o amor vinha

Aí fiz você pra ver e ouvir
Combinei melodias sutis
Maracatu correrás
Pro amor que eu vou dizer
Presente en toda mi vida

Segura o pranto quem chorou
Xangô te xinga
Segura o pranto quem chorou fui eu
Virou no santo que baiou
Sambou neguinha
E no entanto, quem dançou fui eu

Segura o pranto quem orou
Xangô te xinga
Segura o pranto quem chorou fui eu
Virou no santo que baiou
Sambou neguinha
E no entanto, quem dançou fui eu

quarta-feira, 12 de maio de 2010

De vidro

No meu calendário, era outra a lua. No fundo do copo ardia um resto de amor, um caldo gélido de desejos ansiando a exumação. É que cedo aprendi a enterrar os mortos. Meus e mortos. Cedo, de joelho velei meus amores... colhi flores em cemitérios e me vesti de um luto que parecia nunca ter fim.

E agora, que é que faço com os vivos? Que é que faço desse gole no fundo do copo, esse gole tão pouco e tão morno, amargando a ponta da língua e do lençol?

Senhor, que levou meus mortos, que é que faço com meus vivos? Se não posso enterrá-los, se não posso chorar em seus túmulos, se não posso lembrá-los sem a dúvida, essa dúvida maldita, esse desafio do não que não é o da morte. Esse não de amor!

Quisera eu que o amor morresse todo. Tudo. É que o danado é como vidro que se espatifa no chão e você, urgente, limpa com cuidado – um receio calculado de se ferir. Recolhe tudo, impaciente. Joga no lixo como se vomitasse os próprios sonhos.

E meses depois encontra um caco. Um caco esquecido, atrás daquele móvel pesado. E é justo esse caco que rompe a pele, a carne, o sorriso. E quem é que estanca o sangue do amor?

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Moedas, sorrisos e soluços

Eu, que só trabalho com achados e perdidos, de repente me achei. Estranha. Mais alta, talvez. De cima pude ver o que antes não. E disse sim. Não um comum. Um sim sôfrego, de boca cheia. De coração vazio.

Então a vida me levou e dançamos. Dançamos um dentro do outro – até que não havia mais nada. Nem ninguém. E já quando não havia mais ninguém, alguém gritou. Depois, soluços. Dos mais tristes. Daqueles de quem ama e não é amado. Daqueles de quem se arrepende. De quem distribuiu tantos erros e mágoas que se desespera. E acha que o mundo, em resposta, só pode magoá-lo também.

Eu cá, com a vida nos lábios. Sorriso nos pés, girando. Em par... Em paz.

Mas soube que desse meu delírio a dois, fez-se a desculpa para alguém chorar. Tanto. E eu, que não tenho culpa de ser assim: eu mesma – calei. Esperei o tombo no final da ladeira. E o tombo não veio. Veio o Sol e era o mais brilhante. Era um abraço apertado e um colo cheio de privilégios. Meus. E era tão forte que minha pressão baixou. Ah, a vertigem dos amantes que não têm pressa. Do prazer de desfalecer nos braços que escondem sua força. Aquela força, que conhecera antes. Escondida entre olhares. Embaixo da aba do boné, todos os segredos guardados ofereciam-se em deliciosas (e cuidadosas) doses.

Mas é que ainda se ouvia o choro. E aquele desespero tinha o meu nome. Logo eu, que não passo de testemunha apaixonada e oblíqua. E bêbada. De repente, serial-killer dos desamores.

Eu tento. Explico. Olho nos olhos e não peço perdão (que o perdão não existe). Existe a minha verdade, que ofereço em troca de alguns goles de compreensão. E os meus beijos são só beijos. Não maqueiam requintes de crueldade. Não tenho moedas pra trocar – que já não guardo (nem dinheiro nem emoções). Meus afetos, valem mais.

Um sorriso ou um soluço?
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PS: Acredite. Em mim. Nas minhas intenções, nas minhas escolhas. Não chore (vc fica feia quando chora – parece a Heleninha falando, mas sou eu). E é ainda mais triste, quando diz que a culpa é minha. Ou que é dele. Amiga, amiga, amiga... somos todos culpados, principalmente pelos nossos sorrisos. Ainda bem.
Amo você, sua bobona.