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terça-feira, 30 de março de 2010

Marejando...

Mar alto, onde oscilam e cintilam os azuis. O Sol, avesso. E sofro - que afinal, a luz também cega. Ele, lá. Na praia. Desfilando sua poesia nua.

Assisto-o tomar as palavras e deitá-las, seduzidas. Todas. Entregues como se noivas daquele homem, ansiosas por uma noite (um verso!) que possa finalmente, significá-las. E ele, desposando-as ali mesmo, na areia. As estrelas, em seu tímido brilho póstumo, se calam. Tudo o que se ouve, são sussurros. Das donzelas-palavras que, pela primeira vez - nas mãos dele, têm o seu lugar. E véu.

Assim, à deriva ainda, me distraio. Gozo de um feitiço que não é meu. Enquanto ele... se exalta no baile nupcial. Soluça amor e música. Temeroso e muito, de um dia não resistir à sede. De um dia, ser queimado pelas águas daquele mar – que já conhece. Ele sabe. Sabe contar das emoções e seu segredo é fingir que não os conhece (os segredos).

Ah, meu poeta. Redoma que nos sirva? O céu. Ele, que beija os seus lábios na praia e os meus – quilômetros mar à dentro. E doura de luz e de lua a nossa pele, ainda que falte a nau. Ainda que num sonho, o cais. O cais, que não há.

Se cais? Não sei (que já não tenho certezas). Mas se caio, é que num dia amanheço norte e noutro, sul. Num dia sou o poema sem a última estrofe. Noutro experimento algum deboche, sem classe, sem crases. É que assim sobrevivo aos nós. Assim, fantasio a minha dor.

Ele lá: em terra, lamentando o vôo distante do pássaro fugidio. Guardando com pena, uma pena (colorida e só). Eu cá: água e sal, velando a morte das sementes que já não posso plantar. Guardando da fruta, a fome.

Nós (e nós) afins. A fins de fim.
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PS: Eu sei. Vírgulas demais. Sempre. Mas agora, divido-as com você, que quase não tem vírgulas. Que poetiza a vida assim, num sopro. Obrigada (obrigada bem marejado).

E a música... claro. Aquela. Meu presente (meu pedido). E se fechar os olhos agora, me divido entre a sua voz e a da Nana Caymmi:

RESPOSTA AO TEMPO
Composição: Aldir Blanc/Cristovão Bastos

Batidas na porta da frente
É o tempo
Eu bebo um pouquinho
Pra ter argumento

Mas fico sem jeito
Calado, ele ri
Ele zomba
Do quanto eu chorei
Porque sabe passar
E eu não sei

Num dia azul de verão
Sinto o vento
Há folhas no meu coração
É o tempo
Recordo um amor que perdi
Ele ri
Diz que somos iguais
Se eu notei
Pois não sabe ficar
E eu também não sei

E gira em volta de mim
Sussurra que apaga os caminhos
Que amores terminam no escuro
Sozinhos

Respondo que ele aprisiona
Eu liberto
Que ele adormece as paixões
Eu desperto
E o tempo se rói
Com inveja de mim
Me vigia querendo aprender
Como eu morro de amor
Pra tentar reviver

No fundo é uma eterna criança
Que não soube amadurecer
Eu posso, ele não vai poder
Me esquecer

domingo, 21 de março de 2010

Chica da Silva

Sou negra, cafuza, brasileira. Intrinsecamente, absolutamente negra. E 122 anos depois da Lei Áurea, pergunto: o que é que se aboliu naquele treze de maio, se o preconceito e as privações sociais continuam assombrando os nossos dias?

Se a princesa Izabel tivesse poderes sobrenaturais, ainda assim não teria conseguido devolver aos homens o seu direto de SER. E ficou conhecida como “A redentora”. Mal sabia que a redenção, de fato, nunca viria. Nunca. Talvez em outro planeta. Em outro milênio. Em outra sociedade. Porque na minha, o que se vê (e o que muitas vezes se esconde) é a perpetuação das distinções.

O tronco, os navios negreiros, os quilombos... apenas mudaram de tempo e de lugar. A escravidão se modernizou. Ganhou requintes e legalidade. E num país de caboclos, cafuzos, mulatos e mamelucos, os negros e os índios ainda são negligenciados. Ainda são velados – como mortos-vivos. Ainda estão à margem de tudo o que se considera ideal e cívico.

Mas é claro, devo admitir. Houve um progresso. Hoje eu consigo comprar uma meia-calça cor da pele que tem realmente a cor da minha pele. E isso vale pra maquiagem, desodorante, cremes, xampus, roupas e até baladas que foram feitas sob medida para a minha negritude. Peraí. Não é evolução, nem redenção. É marketing. É toda uma indústria preocupada em aproveitar o potencial de consumo de um nicho que significa mais de 50% da população brasileira.

Calma. Vou tentar de novo. Temos Obama – presidente do planeta. Temos Thaís Araújo protagonizando a novela das oito num canal que dita as regras no país. Hummm... a coisa está mudando? Não. No aniversário de Yemanjá, em fevereiro, todos os jornais, homenagens e notícias mostravam a imagem de uma branca. E eu pergunto: cadê a Yemanjá africana, negra, original? Quando é que vamos admitir e corrigir o sincretismo que obrigou os escravos a associar seus orixás aos santos da igreja católica – se quisessem continuar com a sua fé, tinham que disfarçá-la. E foi assim que Yemanjá embranqueceu. Foi assim que minha Iansã virou Santa Bárbara, Ogum virou São Jorge e Michael Jackson virou o caso mais bizarro que eu conheço de negação à afrodescendência.

Michael e Yemanjá, brancos e populares. Mas, todo mundo diz que não. Não tenho preconceito, não tenho piedade, sou da paz. A neutralidade me enoja. Uma vez me apaixonei por um cara que tentava amenizar a diferença ouvindo Racionais e Bezerra da Silva. Desfilava comigo por aí, como se dissesse “tá vendo: sou bem resolvido e valorizo a miscigenação”. Até que um dia me disse, na cara: “Não sei. Enquanto éramos amigos, tudo bem. Mas nunca pensei que me apaixonaria assim, por alguém mais escuro que eu”. Terminei e agradeci aquela sinceridade. Fiquei feliz em saber que é preciso muita coragem pra falar ESSA verdade. Agradeço até hoje. E temo quantos quiseram dizer, mas preferiram justificar de outra forma a covardia.

E até hoje, me incomoda quando me chamam de “morena”. É como se quisessem me sincretizar. É como se quisessem “amenizar” a minha identidade. Daqui a pouco, me colocam numa prateleira – morena clara do cabelo liso, ao lado de Yemanjá. E eu tô mais pra Chica da Silva.

Ah, sou neguinha. Das piores. Das misturadas com índio. Das marcadas pela omissão da história. Das que têm preto veio e maracá... Dona Cafuza.
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PS: 21 de Março - DIA MUNDIAL CONTRA A DISCRIMINAÇÃO RACIAL
Massacre de Sharpeville
(http://pt.wikipedia.org/wiki/Massacre_de_Sharpeville)

No dia 21 de Março de 1960, ocorreu na cidade de Sharpeville, na província de Gauteng, na África do Sul, um protesto, realizado pelo Congresso Pan-Africano (PAC). O protesto pregava contra a Lei do Passe, que obrigava os negros da África do Sul a usarem uma caderneta onde estava escrito onde eles podiam ir.

Cerca de cinco mil manifestantes reuniram-se em Sharpeville, uma cidade negra nos arredores de Johannesburg, e marcharam calmamente, num protesto pacífico. A polícia sul-africana conteve o protesto com rajadas de metralhadora. Morreram 69 pessoas, e cerca de 180 ficaram feridas.

Após esse dia, a opinião pública mundial focou sua atenção pela primeira vez na questão do apartheid. No dia 21 de Novembro de 1969, a ONU implementou o Dia Internacional Contra a Discriminação Racial, que passou a ser comemorado todo dia 21 de Março, a partir do ano seguinte.

terça-feira, 16 de março de 2010

Duotácito

Ele tem cheiro de poesia. Fecha os olhos pra cantar, enquanto os dedos beijam as cordas do violão. Ah, é quase obsceno... Vê-lo assim, ensimesmado, lambuzado de música – sem saber que é ele, a própria composição.

E a sua voz veio buscar a minha. As mãos, cheias de encantamento. Sorriu num convite àquele espetáculo. Ofereceu-me a sua canção mais triste e chorei. Chorei pela disparidade do amor. Pela sublimidade daquele encontro. Pelos segredos que trocamos, como se fossem prendas de uma intimidade ancestral.

Não ouse compreender. Não tente. E eu, que sempre li você... e que um dia, descobri que também era lida. Permita-me reconhecer que há nessa leitura, uma espécie curiosa de amor.
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PS: Meu poeta vivo preferido agora tem voz. Ganhou outros adjetivos, e mais uma fã. Orgulhosa, ansiosa. Comovida.

Lê, obrigada pela inspiração. Obrigada por confiar seu repertório, seus amigos, sua madrugada. Obrigada por entre uma cerveja e outra, recitar comigo Vinicius. E por sugerir (com emoção) que eu leia Guimarães Rosa.

Que loucura. Que loucura! Rsrsrsrs
E essas emoções não tinham nome. Então ficou assim: duotácito.

PS da Toty: É que se não fosse a senhorita, a Dona Cafuza nem teria nascido. E eu não teria essa loucura pra contar. Nem teria o Lê, nem as Gabis, a Fê - nem esse meu espelho. Você foi a parteira de todo esse sonho de poesia. E vou continuar agradecendo em todas as nossas encarnações. Amor e beijo!

segunda-feira, 15 de março de 2010

Luz?

“Meu destino é mais longe e meu passo mais rápido: a sombra é que vai devagar"
Marília (Linda) Gabriela (http://minhapoesiasemteunome.blogspot.com/)

Minha poesia também. Já não tem seu nome. Tem aquela sombra infernizando os meus dias. Tornando as noites impossíveis. Cheias dos nossos rascunhos, a nossa caneta. Nosso desejo de ser o que nunca fomos. Malditas noites, cheias de nós. O teu nome jogado no ar. E ainda que feche os olhos, está aqui. Do lado de dentro. Fazendo eco, sem fazer sentido. Eu sinto o cheiro da verdade, lá longe. E a verdade é imunda. A verdade fede.

É quando o amor é travesseiro frio. É acordar três da manhã e descobrir que o monstro embaixo da cama é a tua ausência. É ter certeza que nunca mais vou conseguir dormir. E duvidar de qualquer certeza que tenha se plantado um dia. O amor é um murro no estômago. É um sapo que se engole num beijo e fica ali, entalado na garganta. Nem entra nem sai. O amor é ânsia de vômito. É segredo que sangra.

O amor é veneno de matar rato. E eu, rata. Ratazana. Sem queijo, sem beijo. Sem você.
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E eis que vem a Dona Clarice Lispector me buscar:

"(...) e eu tinha pensado que já estava pronta para o rato também. Porque eu me imaginava mais forte. Porque eu fazia do amor um cálculo matemático errado: pensava que, somando as compreensões, eu amava. Não sabia que, somando as incompreensões, é que se ama verdadeiramente. Porque eu, só por ter tido carinho, pensei que amar é fácil. É porque eu não quis o amor solene, sem compreender que a solenidade ritualiza a incompreensão e a transforma em oferenda. E é também porque sempre fui de brigar muito, meu modo é brigando. É porque sempre tento chegar pelo meu modo. É porque ainda não sei ceder. É porque no fundo eu quero amar o que eu amaria – e não o que é. É porque ainda não sou eu mesma, e então o castigo é amar um mundo que não é ele. É também porque eu me ofendo à toa. É porque talvez eu precise que me digam com brutalidade, pois sou muito teimosa. É porque sou muito possessiva e então me foi perguntado com alguma ironia se eu também queria o rato para mim. (...) Talvez eu me ache delicada demais apenas porque não cometi os meus crimes. Só porque contive os meus crimes, eu me acho de amor inocente. (...) Eu, que jamais me habituarei a mim, estava querendo que o mundo não me escandalizasse. Porque eu, que de mim só consegui foi me submeter a mim mesma, pois sou tão mais inexorável do que eu, eu estava querendo me compensar de mim mesma com uma terra menos violenta que eu. (...)"

Trechos de “Perdoando Deus”, publicado no livro “A Descoberta do Mundo”- o maravilhoso, que reúne as crônicas da Dona Clarice.
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PS: A data aí em cima não cabe. Que essas palavras não têm hora. Que quando o telefone tocou, não tive peito. Não tive estômago pra ouvir a voz dele. Que ele ainda me olha – e não diz nada. E é um nada tão brusco. É um nada que desespera a minha alma. E faz crescer a sombra. E a sombra cresce, e ainda é nada. Ainda é a ausência dele.

PS2: Gabi, querida. Sei que a sua sombra era outra. Assim como o rato da Clarice era outro. Mas é que a minha (a sombra), tem ido tão devagar que quase pára. E preciso tanto que ela saia correndo de mim...

PS da série “desnecessários”: Engraçado. Vale observar... o único jeito de matar uma sombra é trazendo luz.