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quarta-feira, 12 de maio de 2010

De vidro

No meu calendário, era outra a lua. No fundo do copo ardia um resto de amor, um caldo gélido de desejos ansiando a exumação. É que cedo aprendi a enterrar os mortos. Meus e mortos. Cedo, de joelho velei meus amores... colhi flores em cemitérios e me vesti de um luto que parecia nunca ter fim.

E agora, que é que faço com os vivos? Que é que faço desse gole no fundo do copo, esse gole tão pouco e tão morno, amargando a ponta da língua e do lençol?

Senhor, que levou meus mortos, que é que faço com meus vivos? Se não posso enterrá-los, se não posso chorar em seus túmulos, se não posso lembrá-los sem a dúvida, essa dúvida maldita, esse desafio do não que não é o da morte. Esse não de amor!

Quisera eu que o amor morresse todo. Tudo. É que o danado é como vidro que se espatifa no chão e você, urgente, limpa com cuidado – um receio calculado de se ferir. Recolhe tudo, impaciente. Joga no lixo como se vomitasse os próprios sonhos.

E meses depois encontra um caco. Um caco esquecido, atrás daquele móvel pesado. E é justo esse caco que rompe a pele, a carne, o sorriso. E quem é que estanca o sangue do amor?

3 comentários:

Marília Gabriela disse...

Querida... tambem aprendi assim... que o TEmpo é o inimigo maior da Paixão... e do AMor.

Quando vc se esforça tanto em salvar algo que já estava perdido tanto tempo... ou quando vc se agarra a última manhã de outono... como se pudesse ficar ali pra sempre... Latente...

Levando aquela dor... o peito aberto... e tudo exposto...
Mas o Tempo.
...
Apaga declaraçoes e Quebra votos...
Desfaz Alianças.... Extingue Juras...

E um dia sem perceber.. vc esbarra naquilo feito um estranho de passagem... olha de soslaio... e recebe um pedido amarelo de desculpas...
Segue adiante mesmo sem querer seguir...

Percebe que não possue este poder de simplesmente fazer o tempo parar.. e ficar exatamente ali.. com sua dor.. com seu amor no peito... com tudo tudo que viveu.

Alê Ferraz disse...

Ai, borboleta querida... o pior é quando se arrebenta na parede o copo, de raiva, de dúvida, de puro "não saber". E aí pulam na sua frente os cacos, as reticências, as vírgulas (que o Lê tão bem mencionou na sua última pérola).

O sangue espirra. E eu não canso de perguntar: que é que faço com meus vivos?

disse...

Caramba... Este caco encontrado meses depois doeu em mim. Entrou na minha pele. Mas que é que a você dessa prosa tinha que mexer nesse pesado móvel, hem?!

A pergunta (que eu tomo pra mim) eu não me atrevo a responder. Deixo-a suspensa no ar qual pipa-de-menino que uma hora perde o fôlego (ou foi o vento que cansou de enganar?) e depois de tombar na realidade do chão, volta arrastada para mão-de-menino.

Sei lá, só sei que num to com vontade de tirar o caquinho agora.

Beijão!