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quarta-feira, 23 de junho de 2010

Quarenta e nove luas

Cheguei à última página, ofegante. Havia adiado aquele encontro com o fim como se fugisse de um luto. Quase quinhentas folhas que percorri descalça, sem pressa, reconhecendo que Dona Clarice não é mesmo temporal. Reli muitos trechos e fiz daquela relíquia quase mil páginas e milhões de descobertas e emoções. E quantos sabores podem ter uma emoção?

Ah, não queria mesmo a despedida e sabia que viria o vazio. Sabia que os outros livros na cabeceira não significariam nada depois desse. Depois dessa.

Então abri o vinho. Papel, caneta e um cigarro. Mas lembrei que não era hora. Fazia um ano e fazia frio. Tão frio que a caneta falhava, a palavra engasgava e a memória era o calcanhar de Aquiles. E eu era apenas Alessandra, cheia de calcanhares saltando da imensidão. Era a saudade - imensa e turva e triste. A saudade.

Quinhentas páginas, quarenta e nove luas e doze meses. O ciclo lunar (ou lunático?) onde fui de preferida à preterida, do amor à condenação.

Eu diria um palavrão. Um bem feio e forte, que insano esbofetearia o coração. Mas fiquei com dó. Que culpa tem o pobre se a cabeça é burra e sofre de memória boa?

E se a memória boa é que é ruim, cuidemos das flechas cravadas nos calcanhares. Cuidemos, que é preciso seguir com os pés sadios. E as mãos livres.

Ah, as mãos. Elas, que como bem disse Vinicius "tateiam antes de ter".
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PS: Não era nada disso o que queria dizer. Mas, dane-se. E o livro era a Descoberta do Mundo. Antes de terminar, passei a tarde numa livraria e me dei três bons presentes. Mas trocaria todos os presentes (!) por um passado. Um só. É que o futuro sem ele me parece um tédio. Um tédio novo a cada dia. E a cada noite, um velho sonho e um novo livro (que não saciam a fome).

E agora? Agora eu diria outro bom e feio palavrão e ainda assim, trocaria tudo. Nada. Tudo?

PS sobre a data: Não que seja relevante, mas esse texto é de maio. A Gabi diria que é um segredo de travesseiro. Um segredo assim... póstumo. E em junho seriam mais de 49 luas. E mais quantas páginas e estrelas?

3 comentários:

Cåm¡£¡ñhå disse...

È, um ano as vezes é muito tempo.
E posso dizer que este último ano passou como um "cometa", tantas coisas aconteceram, boas ou ruins, aconteceram. Mais a "falta" ainda acompanha nossos corações, e isso nada muda, nada apaga, nem o tempo.

Também trocaria alguns presentes pelo passado.

Existe um sorriso que ainda faz falta, todas as noites.

Marília Gabriela disse...

... sem palavras! Sem fôlego!

huaofojsojdfo disse...

"Que culpa tem o pobre se a cabeça é burra e sofre de memória boa?"

A tristeza é o "marca-página" na cabeça do sofredor. ^^