Ensaiou durante dias. Meses. Quando o ano chegou, já sabia exatamente o que dizer. Mas, não disse. Esperou que os olhos se acalmassem. Esperou até que pudesse fingir algum controle. Não que pretendesse enganá-la. Queria de volta alguma sensação que fosse só dele. Algum fragmento de sonho que não incluísse a imagem dela. Os cabelos dela. O sorriso silencioso que ela oferecia, como se sofresse de uma beleza que se vinga da mediocridade do mundo.
E naquele domingo, fazia frio. Fazia tempo. Percebeu que não sobreviveria nem mais um dia. Afinal, o que mais poderia perder, se tudo o que conhecia era a falta? Brusca, mórbida, amarga. Se antes de conhecê-la, a própria vida lhe faltava?
Armado até os dentes, foi buscá-la. Mas era sempre aquela inércia, aquela hipnose, aquele desejo púbere que lhe fazia tremer as pernas e as palavras... era quando engolia as confissões e derramava-lhe amenidades. Como era doce fazê-la rir!
Quando finalmente ela desceu do carro, ele se deu conta de que não havia dito. Nada havia feito para impedir que ela, mais uma vez, se despedisse como se de um amigo. Talvez o melhor amigo. Engraçado, generoso – apaixonado.
Quis puxá-la pelo braço. Quis esfregar-lhe nos lábios, com força, o amor. Quis desposá-la ali mesmo, no meio da rua. No meio daquela vida chinfrim.
Mas, ela foi embora. E ele ali, dentro do carro, esperando a coragem enquanto desejos e pessoas desfilavam distraídos na calçada. Outros amores e segredos caminhavam pela rua e ele se dava conta de quantos nunca seriam felizes. Quantos perderiam o fôlego e a razão.
No celular, digitou o número dela como se disparasse a metralhadora (e o coração):
- Preciso falar.
- Pode falar.
- Tem que ser pessoalmente. Você pode descer? Estou na frente do prédio.
- Ainda? Mas já faz uma hora que me deixou!
- Já faz quatro anos. É que... eu te amo.
- (...)
- Não tive culpa. Não tive escolha. Amo você.
- Eu também... não tenho culpa. Se pudesse, adoraria ter escolhido você.
- (...)
E ele desejou que o telefone fosse mesmo uma metralhadora. Teria destruído tudo. Tudo o que não era seu. Tudo o que acabara de dizer.
Juntando os pedaços, ligou o carro e foi embora. Nem sabia pra onde. Sabia que, entre todas as possibilidades, ninguém seria como ela. Ela, que enfim, não era dele.
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PS: É que ele é um dos homens mais fortes que conheço. Desde menino. Desde o vale das frustrações. Daí, olhou pra ela e sentiu tudo o que ouvira dizer. Tudo o que lera sobre o amor. Tudo o que era impossível. É que ELA era impossível.
Ah, meu querido. Agradeço o a confiança. É um privilégio estar por perto. É um privilégio emprestar meu ombro e chorar com você. Aliás, não empresto. Te dou. Com o respeito e admiração de sempre. Que amizade (verdadeira e completa como a nossa) é daquele tipo de amor que não precisa doer pra ser bom... Beijo enooooooooorme!
E a música, só podia ser essa (o Jairo que me desculpe, mas adoro a interpretação da Marisa Monte... rsrsrsrs):
Para Ver as Meninas
Composição: Paulinho da Viola
Silêncio por favor
Enquanto esqueço um pouco
a dor no peito
Não diga nada
sobre meus defeitos
Eu não me lembro mais
quem me deixou assim
Hoje eu quero apenas
Uma pausa de mil compassos
Para ver as meninas
E nada mais nos braços
Só este amor
assim descontraído
Quem sabe de tudo não fale
Quem não sabe nada se cale
Se for preciso eu repito
Porque hoje eu vou fazer
Ao meu jeito eu vou fazer
Um samba sobre o infinito
Porque hoje eu vou fazer
Ao meu jeito eu vou fazer
Um samba sobre o infinito